
Fernão de Magalhães é, sem dúvida, uma das grandes personalidades do período das grandes navegações europeias e do empreendimento de circum-navegação portuguesa. Imbuído de espírito aventureiro e avidez por desbravar os mares, Fernão de Magalhães entra para a história como navegador primoroso e desbravador destemido em sua odisseia até sua morte em combate nas Filipinas.
por Eliseu Cidade
O homem naturalmente possui como um de seus atributos a curiosidade, traço que lhe é inato desde o nascimento; a busca por desbravar os mistérios do universo, a compreensão dos fatos que são apresentados e o instinto de explorar estão evidentemente presentes na vida de todo ser humano de uma forma ou de outra. Diante disso, o texto a seguir tratará sobre uma das personalidades mais importantes da história pelo grande feito da Circum-navegação: Fernão de Magalhães. Fernão de Magalhães é o exemplo mais notável de herói, desbravador, aventureiro e viajante – que se enquadra no período do século XV baseado na busca pelo conhecimento náutico, geográfico, cartográfico bem como do desenvolvimento tecnológico e astronômico. Alguns autores até consideram esse período das grandes navegações como sendo o primeiro estágio da globalização.
A história confirma que os portugueses foram os povos pioneiros a se arriscarem em meio a exploração do Oceano Atlântico. Em poucas décadas, passaram por diversos locais na costa africana – desde Açores, Cabo Verde, Cabo Bojador –, até atingir o Cabo da Boa Esperança em 1488. Tais conquistas inauguram uma nova era de exploração geográfica, pois o objetivo final era a chegada às Índias Orientais, dominando assim as rotas comerciais marítimas controlando o mercado de especiarias para a Europa vindo da Ásia. Essa bravura e necessidade de expansão podem ser observados no Canto I dos Lusíadas – obra prima de Luís de Camões –, em que Portugal é tido como o quinto Império sucessor de gregos e romanos a levar seus valores e suas artes. Segue trecho: “Cessem do sábio Grego e do Troiano as navegações grandes que fizeram; cale-se de Alexandre a Trajano a fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram. Cesse tudo que a antiga musa canta, Que outro valor mais alto se alevanta”.
Lisboa aparece como rainha dos mares dada a sua posição geográfica privilegiada, conduzindo os navegantes tanto para África quanto posteriormente para a América. Nesse mesmo espírito de conquista, a Espanha também inicia suas grandes navegações com o envio de Cristóvão Colombo para alcançar a riqueza e prosperidade do Oriente. Ao buscar o Oriente pela rota distinta de Portugal, Colombo chega à América Central em 1492. Fernão de Magalhães ainda era adolescente quando Colombo regressara à Espanha depois de ter atravessado o Atlântico e chegado às Américas. Pensando que tinha chegado às Índias, trouxe em navios os habitantes nativos da América que foram chamados de índios. A conquista de Cristóvão Colombo acirrou as disputas entre a coroa portuguesa e espanhola, posto que, a partir desse momento, os dois países passaram a reivindicar para si o controle global das rotas marítimas. Aqui tem-se um aspecto da disputa de caráter global pela primeira vez, e não mais de disputas por regiões específicas dentro de um mesmo continente. Dom João II vis à vis a Fernando de Aragão e Isabel de Castela decidem dividir o globo em dois a partir de uma linha imaginária no oceano por meio do Tratado de Tordesilhas. O tratado determinava que a 370 léguas a leste da ilha de Cabo Verde passaria a linha divisória em que toda a parte oriental seria pertencente a Portugal e a porção ocidental seria da Espanha. O foco estava na delimitação de espaços para a capacidade dessas grandes potências da época de conquistar territórios.
A busca por ouro, chá, sedas e especiarias do Oriente faz Fernão de Magalhães partir em nome de seu rei como navegador e guerreiro. Participou ativamente da conquista portuguesa pelo mundo, tendo comandado milhares de guerreiros e lutado na Batalha de Cananor em 1506 ocorrida entre a frota indiana de Samorin e a frota portuguesa liderada por Lourenço de Almeida, o então filho do vice-rei, Francisco de Almeida. Essa guerra terminou com o sucesso de Portugal e também no Cerco de Cananor em 1507, embora em guerras posteriores, como a Batalha de Chaul de 1508, Portugal tenha sofrido derrotas para o Sultão de Guzerate e da armada do Sultão Mameluco do Cairo.
Fernão de Magalhães, com o objetivo de basear o seu projeto na posição das Ilhas Molucas, reuniu os melhores cartógrafos portugueses do século XVI a fim de desenhar um mapa com precisão que mostrasse as conquistas da época, inclusive mais avançadas que as de Espanha. As conquistas mais recentes estavam todas registradas no novo mapa, sendo o ouro africano, chá e especiarias já conquistas portuguesas, enquanto que a Espanha ainda enfrentava os desafios do Atlântico chegando a regiões da América Central por Vasco de Balboa.
Ao chegar a Sevilha, Fernão de Magalhães casa-se com a filha do navegador português Diogo Barbosa e entra para a Ordem de Santiago. Após aderir ao projeto espanhol, Magalhães convence as autoridades de Castela, a saber Carlos V, de que irá navegar até às Índias pelo lado pertencente à Espanha segundo o Tratado de Tordesilhas, indo além de Cristóvão Colombo e procurando por um caminho para contornar a América. Ao partir, Fernão de Magalhães sabendo da viagem longuíssima e extremamente desgastante, abasteceu os navios com tudo que poderia ser encontrado nas costas da Andaluzia: carnes, mel, fava, alcaparras, azeite, queijos, mostarda, frutas das mais variadas e uma quantidade extraordinária de vinho. A frota de Fernão também contou com artilharia completa contando com grandes quantidades de armamentos, flechas, lanças, escudos, pólvoras, espadas, armaduras e tutti quanti.
É evidente que como Fernão de Magalhães – o navegador português –, doravante, passando a prestar serviços para a Coroa de Espanha, será visto como traidor e vigarista por parte de Portugal, sendo considerado persona non grata. Nesse sentido, Fernão enfrentou dificuldades em formar uma frota para a navegação, contando com o descontentamento e rivalidade de navegantes portugueses e espanhóis. Magalhães saía em grande agitação às ruas de Sevilha para convencer pessoas a aderirem ao seu projeto expedicionário. Por fim, a partir da Espanha, a frota de Magalhães foi majoritariamente composta por capitães espanhóis, o que evidentemente o colocava em uma posição de fragilidade, junto de seu isolamento que somava-se à contestação de sua autoridade, quase um xeque–mate. Após conseguir mais de duzentos homens de diversas nacionalidades para compor a sua expedição, Magalhães parte com todos esses que seriam integrantes da artilharia em direção à Ilha das Molucas. Imbuído de espírito aventureiro e buscando registrar tudo em diário de viagem, como de costume no período, Fernão designa Antonio Pigafetta – geógrafo e escritor italiano natural de Vicenza –, como o cronista responsável por descrever toda a expedição.
Temeroso e profundamente preocupado com o próprio destino, à espreita do furor de conspirações espanholas, Magalhães deixa um testamento em caso de seu falecimento mostrando sua devoção e fé inabalável em Deus no momento mais tenso e incerto de sua vida. Impedido por todos os lados, tanto por Portugal – já que navegantes portugueses partem em expedição para destruir sua frota –, e quanto por Espanha – dado as conspirações espanholas –, sua única alternativa é o mar, portanto esse seria seu ato de bravura em cumprir sua tarefa de marinheiro, isto é, être maître dans le métier.
Após a desafiadora travessia pelo Oceano Pacífico, ele chega às Filipinas em 1521. Na tentativa de criar aliados e estabelecer bases para futuras viagens nas Filipinas, Fernão passou por várias ilhas como a de Cebu e depois a de Mactan. Fernão de Magalhães acabou morrendo em combate durante uma investida militar de ocupação na região. A despeito de ter morrido em meio ao percurso, Fernão de Magalhães foi pioneiro e meritoso no seu empreendimento de desbravar o conhecimento dos oceanos e promover uma nova perspectiva do mundo. Desse modo, seu sucessor, Juan Sebastián Elcano, terminou por sucedê-lo na expedição completando a primeira circum–navegação até a chegada em Sanlúcar de Barrameda.
Por fim, vale citar o escritor austríaco Stefan Zweig que escreveu sobre a vida de Fernão de Magalhães com toda sua sensibilidade descritiva e trabalho de biógrafo nos seguintes termos: “Entre todas as figuras e todas as rotas, a minha admiração vira-se para os feitos do homem que, no meu sentir, alcançou o mais extraordinário na história das descobertas geográficas: Fernão de Magalhães. A sua navegação é talvez a maior odisseia na História da Humanidade, sendo verdade que, ao decidir escrevê-la atento aos documentos fidedignos ao meu dispor, tinha a sensação de estar a contar algo inventado, uma daquelas lendas sagradas da Humanidade, pois nada é mais excelente que uma verdade que parece inverosímil”.
REFERÊNCIAS
Documentário (193) A Odisseia de Fernão de Magalhães – YouTube
Batalha de Cananor – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
27 abril | Morte de Fernão de Magalhães (marinha.pt)
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.